Chefe da Mercedes leva lições do pai sindicalista ao dia a di

“Aprendi a contribuição que cada um dá numa empresa, seja um executivo ou operário”, diz Denis Güven, que acaba de assumir a presidência da Mercedes-Benz no Brasil e na América Latina.

Denis era garoto no tempo em que assistia ao burburinho dos operários na sala de estar. Não compreendia os detalhes. Mas percebia que o pai, apesar de generoso, impunha limites. “Ok, mas nesse caso a culpa foi sua”, dizia Haydar quando percebia que o trabalhador que lhe pedia ajuda não tinha razão. “Ele conseguia equilibrar os interesses dos indivíduos com os da empresa; por isso, meu pai se tornou um modelo para mim”, afirma.

O avô de Denis, Mustafa, migrou da Turquia para a Alemanha no início dos anos 1960. Pouco depois, trouxe o filho da Turquia. Aos dez anos, Haydar começou a estudar numa escola alemã sem saber o idioma, numa época em que eram raros os imigrantes naquela região.

O pai e o avô de Denis foram trabalhar numa empresa de autopeças, o maior empregador em Meschede, a pequena cidade onde Haydar tornou-se líder sindical, casou com a alemã Roswitha e onde ambos, aposentados, vivem até hoje com a filha mais nova.

Já o filho seguiu carreira na indústria automobilística. Depois de formado num curso que mistura gestão industrial e engenharia, Denis Güven começou a trabalhar em consultoria. Mas a duração dos trabalhos como consultor o desanimava. “São projetos curtos e nem sempre sabemos o que acontece depois”, afirma. Foi um desses projetos que o aproximou dos caminhões e do grupo Daimler.

O trabalho na multinacional começou na área de motores a diesel, no departamento de engenharia. Dali, Güven seguiu para o setor de pesquisa e desenvolvimento, depois finanças, vendas, estratégia de produto e, finalmente, estratégia global, um passo que o conduziu à carreira internacional.

Há seis anos, o executivo deixou a Alemanha com a esposa e duas filhas – na época, uma com dez anos de idade e a outra, com menos de dois. A família foi morar em Tóquio, onde Güven assumiu o comando das operações de caminhões da Daimler na Ásia.

No Japão, ele começou na área de vendas e depois assumiu a gestão global de produtos Ásia. Nesse período, uma das principais missões do executivo foi “unir as culturas” de duas empresas – a Fuso e a Hino. Numa parceria entre Daimler e Toyota, as duas japonesas estão se unindo para fortalecer o desenvolvimento e a produção de veículos comerciais.

Embora o aprendizado da língua japonesa tenha servido somente para pedir comida em restaurante, fazer compras e outras coisas básicas, a temporada no país asiático não trouxe problemas em termos de choque cultural, segundo Güven, que desde criança sempre conviveu com mais de um idioma e todas as diferenças culturais que envolvem a rotina de filhos de imigrantes em qualquer parte do mundo.

O bom humor e a gargalhada espontânea deixam claro que, apesar de ter nascido na Alemanha, Güven está longe da personalidade reservada que caracteriza o alemão típico. O pensamento vai longe quando a pergunta envolve questões mais pessoais. Ele pensa com calma e toma o tempo necessário para evitar o risco de uma resposta que não esteja à altura dos valores de suas origens e legado familiar.

Segundo Güven, sair de uma economia madura, como a europeia, para viver experiências em países em desenvolvimento, que ele conheceu na Ásia, foi “enriquecedor”. “Hoje, posso liderar com uma mentalidade global, mas pude, também, desenvolver um profundo respeito pelas realidades locais”, destaca. Isso envolve a família. “A adaptação a uma nova cultura nunca foi nosso medo”, destaca.

Güven tem se esforçado nas aulas de português. Começou a aprender quando ainda estava no Japão. Uma das primeiras viagens desse executivo de 43 anos no Brasil será até Belém, onde acompanhará a COP30 no próximo mês. A Mercedes-Benz colocou dois caminhões e dois ônibus para fazer o percurso do Rio Grande do Sul até o Pará testando diferentes tipos de biocombustíveis.

Para Güven, as alternativas para descarbonizar o transporte dependem da região. Na Europa, é clara a opção pela eletrificação. Já no Sudeste da Ásia, isso não é possível em razão da falta de infraestrutura de carregamento das baterias. Já no Brasil, a eletrificação será mais acelerada nas áreas urbanas, tanto em ônibus como em caminhões de entregas. Mas nas estradas, a aposta é pelo uso dos biocombustíveis.

Uma das soluções que empolgam o executivo é o hidrogênio, que abastece veículos elétricos sem a necessidade de uma rede de carregamento. Mas trata-se de uma energia ainda cara.

“Se pensarmos na Indonésia, um país grande com muitas ilhas, por exemplo, ou se constrói uma rede que atenda a todas as ilhas ou pensamos numa solução mais viável, que é transportar combustível para essas ilhas. Então, eu acho que a combinação de eletrificação, hidrogênio e biocombustíveis será muito interessante.”

Para Güven, o custo das novas energias será diluído com o avanço da demanda e a expansão da produção. “Usamos o diesel há 120 anos. Levará, portanto, algum tempo para reduzirmos os custos”, diz.

O primeiro desafio no novo cargo será lidar com a queda de vendas de caminhões no Brasil, provocada pela alta dos juros. “Acredito que 2026 será ainda desafiador”, diz o executivo.

Güven lembra que a subsidiária da marca Mercedes-Benz no Brasil é a maior em um único país em todo o mundo e, diz, a operação é rentável. Ele não revela, porém, os próximos planos de investimentos na região. O movimento mais recente foi a construção de uma fábrica de caminhões, na Argentina, divulgada no fim de 2024.

Desde que chegaram ao Brasil, Güven, esposa e filhas têm passado muito tempo conversando. Com bom humor, o executivo explica que isso acontece porque até agora uma mesa é o principal móvel da casa. A mudança, com a mobília, vinda de Tóquio, ainda não chegou. “Passamos o tempo conversando em volta da mesa”, diz.

A filha mais nova, com oito anos agora, espera, ansiosa, pelos brinquedos. A mais velha, com 16, aguarda a escrivaninha. Já para o pai, o objeto a caminho mais importante é uma guitarra elétrica. Mas Güven avisa que mal começou a aprender a tocar o instrumento.

A história de querer aprender algo diferente começou quando ele abandonou o futebol. Jogava, na defesa, em time semiprofissional desde os seis anos de idade. Depois de 21 anos, parou porque não conseguiu conciliar o esporte com o trabalho. Mesmo assim, continuou a buscar alternativas em esportes. Coletivos, de preferência.